Carnavalesco afirma, no entanto, que patrocínio dado à agremiação veio de empresas brasileiras que atuam no país
RIO — Mesmo com o polêmico patrocínio de R$ 10 milhões para levar à Sapucaí enredo sobre a violenta ditadura de Teodoro Obiang, há 35 anos no comando da Guiné Equatorial, como antecipou o colunista do GLOBO Ricardo Noblat, a Beija-Flor foi a grande campeã do carnaval de 2015, dando a volta por cima depois do fiasco do ano passado, quando ficou em sétimo lugar. Ainda no clima da comemoração, uma nova informação aumentou as especulações em torno do enredo da escola de Nilópolis. O carnavalesco Fran-Sérgio, integrante da comissão de carnaval da azul e branca, afirmou que o patrocínio dado à agremiação veio de empresas brasileiras que têm obras no país africano. Ele citou o nome das empreiteiras Queiroz Galvão e Odebrecht, envolvidas em denúncias da Operação Lava-Jato, e do grupo ARG. Procuradas pelo GLOBO, as empresas não retornaram as ligações.
— São mais empresas, essas são as que eu sei. O governo da Guiné não nos deu dinheiro, e sim apoio cultural. Eles nos cederam livros, fotos e outros materiais. É um povo (da Guiné) que sofreu muito e que, através do seu presidente, está construindo um país novo, que pensa em saúde, infraestrutura, saneamento básico. O povo é superfeliz com isso, então não importa o regime — afirmou.
Para conquistar seu 13º título, a Beija-Flor se apresentou na Sapucaí sob uma saraivada de críticas, fazendo o que sabe fazer com maestria e a consagrou, nos últimos anos, como a maior campeã da Era Sambódromo (oito vezes): um desfile técnico, luxuoso e com cada quesito defendido minuciosamente. Passou sem empolgar tanto o público, ao contrário da Portela na mesma noite, mas obteve notas máximas dos jurados e superou todos os adversários, inclusive o Salgueiro, única escola a ameaçá-la durante a apuração e que acabou vice-campeã. Com apenas um décimo perdido, em samba-enredo, Nilópolis impôs seu carnaval politicamente incorreto, mas vitorioso.
A escola esteve na frente durante toda a apuração. E foi num dos quesitos de sucesso mais constante da azul e branca, mestre-sala e porta-bandeira, que a Beija-Flor assumiu a liderança isolada. O casal Claudinho (Estandarte de Ouro este ano) e Selminha Sorriso recebeu apenas notas 10, enquanto a vermelha e branca da Tijuca perdeu dois décimos. Quando o último quesito, evolução, foi lido, a vitória já não estava ameaçada.
RAINHA DE BATERIA LEMBRA CONTATOS NA ÁFRICA
No controverso enredo “Um Griô conta a história: um olhar sobre a África e o despontar da Guiné Equatorial. Caminhemos sobre a trilha de nossa felicidade”, a escola até recebeu um 9,9 (descartado) do jurado Johnny Soares. Mas a polêmica sobre o tema passou longe do julgamento, e todas as demais notas foram 10.
Mas o assunto não escapou aos integrantes da azul e branca. Presidente da agremiação, Farid Abrahão David defendeu o resultado:
— Essa questão do presidente da Guiné Equatorial já é passado. A escola foi campeã por causa de sua capacidade de organização e pelo ótimo trabalho que fizemos.
O intérprete Neguinho da Beija-Flor também afastou qualquer influência do patrocínio do país africano no resultado.
— A Beija-Flor não ganhou por causa dos R$ 10 milhões do patrocínio. É claro que o dinheiro ajudou. Mas a escola ganhou porque sempre soube desenvolver bons enredos quando o assunto é a África — afirmou ele.
A rainha de bateria Raíssa também comentou o enredo:
— Eu tive a ideia de trazer esse enredo para a escola, quando fomos fazer um evento em 2013 na Guiné Equatorial. Ali fizemos os primeiros contatos com o embaixador para depois vir o patrocínio para o desfile.
Sentado numa cadeira longe da mesa dos dirigentes da escola, o diretor de Carnaval Laíla chorava antes mesmo da leitura das últimas notas.
Já na quadra, quando a terceira nota do quesito evolução confirmou o 13º título da escola, houve uma explosão de alegria. A passista Thais Nascimento, de 23 anos, caiu no choro de tanta emoção:
— A sensação é de dever cumprido. Fomos vaiados pelo setor 1 e demos a resposta na avenida.
No Salgueiro, o clima foi bem diferente. Durante a apuração, predominou a tensão. A presidente Regina Celi, desde o segundo quesito, já chorava e tremia muito. Ao seu lado, estava a rainha de bateria Viviane Araújo, que tentava acalmá-la. Como as primeiras notas foram positivas, havia uma empolgação inicial, que foi diminuindo à medida que a Beija-Flor se consolidava na liderança. No fim, Viviane disse que preferia não falar para não “dizer besteira”.
Na quadra, cerca de 600 pessoas vibraram muito com as notas máximas, até o penúltimo quesito, quando a vitória da Beija-Flor se consolidou. Diante da derrota, a diretoria desligou um telão e começou a cantar o samba-enredo deste ano.
ENREDOS CAMPEÕES DA BEIJA-FLOR NA SAPUCAÍ
2011: “A simplicidade de um rei”
2008: “Macapaba: equinócio solar, viagens fantásticas ao meio do mundo”
2007: “Áfricas — Do berço real à corte brasiliana”
2005: “O vento corta as terras dos pampas. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Guarani, sete povos na fé e na dor... Sete missões de amor”
2004: "Manôa, Manaus, Amazônia, Terra Santa: alimenta o corpo, equilibra a alma e transmite a paz”
2003: “O povo conta a sua história: saco vazio não para em pé; a mão que faz a guerra faz a paz”
1998: “O mundo místico dos caruanas nas águas do Patu-Anu”
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